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sábado, 7 de maio de 2016

Memória do Coração

RJ, 07.05.2016


 A minha mãe nunca foi a mais carinhosa, a mais melosa, a mais calma ou paciente... A minha mãe sempre gritou comigo, pegou no meu pé, me deu umas boas palmadas. Por vezes eu fiquei com raiva, chorei. Jurei ir embora. Cheguei até a fazer a mochila: coloquei 6 calcinhas, o Dudu e alguns biscoitos. Mas quando abri a porta, ela me buscou. E, sem dizer nada, tirou a mochila dos meus ombros.

Por que ela era assim? Porque ela não dizia que me amava ou me abraçava pedindo pra eu ficar? Foi muito difícil, quando criança, entender os limites da minha mãe e reconhecer o momento que ela os ignorava...

Eu achava que carinho era beijo, abraço, palavras bonitas e doces. Talvez as crianças associem ao que elas veem e não entendam bem os sentimentos. Por isso, eu achava que a minha mãe não era carinhosa ou não se preocupava comigo. Mas há uma sutil diferença entre o que parece e o que é. E, incrivelmente, eu não largava dela...

Se eu pudesse viajar no tempo e me encontrar quando criança, eu diria pra mim: veja, a sua mãe ganha pouco, mas além de você estudar na melhor escola, ela não deixa faltar nada pra você. Ela te vigia enquanto você dorme. Quando você está doente ela não sai do seu lado, ela passa as noites em claro, ela falta ao trabalho... ela te leva pra comer um lanche, sabendo que aquele dinheiro fará falta, ela organiza as suas roupas, passa os finais de semana fazendo uma faxina na casa pra você morar num lugar limpo, ela se endivida pra comprar aquilo que você queria, quase que esquecendo de si mesma. E tudo que ela aguentou sem dizer nada pra ninguém? É bem verdade que ela sofreu por tantas coisas que você nem sabe... E eu poderia passar o dia te falando tudo que ela faz por você em silêncio. É exatamente isso!

Um dia ela se aposentou e foi embora do Rio de Janeiro e eu fiquei. Uma coisa é você sair de casa porque chegou a hora de ter a sua vida. Outra, bem diferente, é ver a sua casa indo embora... Eu vi meus móveis, minha TV, minha mãe e meu irmão saindo de casa... 21 anos ali, 21 anos brigando, se amando, rindo, chorando, vendo filmes juntos, fazendo bagunça, aniversários... Eu vi tudo que me era familiar indo embora. E, naquele momento que ela ia entrar no carro sabendo que nunca mais voltaria e que agora ela seguiria a vida dela, eu vi minha mãe chorar.

Sim, aquela pessoa que era improvável deixar transparecer a emoção, estava chorando e me abraçava, como quem deixava um pedaço de si pra trás. Não é porque eu não saberia lidar ou que ela não confiava na educação que me dera, mas haveria momento mais doloroso? Tanto para uma mãe quanto para um filho? Chegara o momento da despedida. Era o fim.

Mas o fim de que? A resposta pra isso, eu fui descobrindo dia após dia, quando a única pessoa que eu conhecia que poderia confiar era eu mesma. Na minha cabeça, esse era o momento de superar qualquer fraqueza porque agora eu estava escrevendo a vida à caneta, o que não permite mais que seja apagado. Um erro, um equívoco... pra onde eu iria correr? Pessoas que eu imaginei que estariam do meu lado me trataram mal e outras que eu jamais imaginei receber um apoio, foram tão companheiras...

A vida se mostrou pra mim e eu fui aceitando aos poucos. Quantas vezes eu liguei pra ela, dizendo que já chega, que eu queria ir pra casa... mas que casa? Era um paradoxo. Ela pedia que eu me acalmasse e que o dia seguinte ia ser melhor e, de fato, era. Eu andava por aí pensando o que eu tinha feito de errado, porque ela não queria que eu fosse? Apesar de ter a idade que eu tenho, eu sempre senti muitas coisas com uma ingenuidade um pouco de criança... Talvez ela soubesse disso? Por isso, talvez ela me dissesse "não" com o coração apertado.

 Eu só sei que cresci. E cresci muito. Em vários aspectos. É bem verdade que meus 1,59m não enganam ninguém, mas certamente não sou a criança que a minha mãe se despediu.

 É difícil colocar em palavras os sentimentos, é mais difícil ainda dizer. Mas, mesmo não falando, acredito que lá no fundo, bem lá no fundo, a minha mãe tem certeza que tudo que ela fez e faz por mim me ajudou a ser forte e buscar o que é melhor pra mim, sabendo lidar da melhor forma com os obstáculos que certamente aparecerão nas nossas vidas. Acho que é exatamente esse o objetivo de toda mãe.

 Eu poderia dizer aqui "obrigada, melhor mãe do mundo", "te amo demais, mãe"... mas não é o que eu queria que ela entendesse. Na verdade, eu queria que ela soubesse que nada do que ela fez, nunca foi em vão. Cada atitude dela teve e tem um valor imensurável. A decência dela é contagiante e faz com que nós desejemos ser pessoas melhores. A "correteza", a preocupação em ser honesta, me ensinaram que nenhum desses valores é bobagem, muito pelo contrário, isso traz harmonia e paz pro ser humano. A minha mãe é um ser humano com suas qualidades e defeitos mas é minha! E nada substitui.

Daqui a pouco será dia 08 de março, domingo... e mais um dia das mães eu não passarei com a minha. Eu sinto saudade de casa todo dia. A minha mãe é a minha casa. E é dela a minha maior gratidão. Eu estou sofrendo por estar longe de você, por não poder passar os meus dias com você, na sua casa, no seu conforto, na sua familiaridade, na sua segurança. Mas me conforta saber que tenho muito de você dentro de mim e te coloco em tudo que eu faço.

A gente nunca sabe as verdadeiras razões das pessoas. A gente nunca vai entender, mesmo que nos digam. Mas chega um momento que você não precisa de respostas. Você só sente. E eu sinto tudo que você faz por mim... Mãe, você está longe daqui mas eu te sinto todos os dias. Muito obrigada por cuidar de mim de tão longe.

Eu te amo,

Karina.







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